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Quem está procurando mais informações sobre Big Data ou já trabalha com esse tipo de tecnologia, uma hora ou outra, vai encontrar algo sobre o case de análise preditiva da Target — uma grande rede varejista dos Estados Unidos. Isso porque, por meio de operações estatísticas sobre comportamento do consumidor, ela ficou famosa por conseguir saber sobre a gravidez de uma adolescente antes mesmo do pai da jovem.
A partir de um artigo publicado por Charles Duhigg no New York Times, com contribuições de Andrew Pole, cientista de dados da Target, foi possível traçar um panorama detalhado de como a gigante americana usa as informações obtidas sobre seus clientes para embasar suas ações. Essas conclusões também estiveram presentes no best-seller “O Poder do Hábito”, publicado em 2012 por Duhigg.
Embora esse seja um episódio inusitado do poder da análise de dados, é possível tirar importantes lições de como aplicar essa estratégia na prática no e-commerce. Confira!
Mas como a Target soube dessa gravidez?
Essa é a questão mais curiosa do caso e expõe como os dados podem se transformar em informações e auxiliar a tomada de decisão nos negócios. Vamos aos fatos: primeiro, a empresa fez uma campanha em que as clientes informavam à loja quando estavam grávidas e estimavam o nascimento de seus bebês.
Com essa informação em mãos, a Target começou a analisar os hábitos de compra dessas clientes e detectou, entre outras coisas, que as mulheres grávidas passavam a comprar cremes e colônias com fragrâncias mais suaves, ou até mesmo sem cheiro, além de suplementos ricos em magnésio, cálcio e zinco. Estima-se que o algoritmo da empresa monitorava cerca de 20 itens.
Após certo tempo, com um grande fluxo de informações adquiridas, notou-se que esse padrão era frequente e foi possível saber quem eram as clientes gestantes, mesmo quando elas não informavam isso à empresa. Dessa forma, a Target passou a enviar campanhas direcionadas para as futuras mamães: cupons de desconto em fraldas, berços, lenços, entre outras coisas.
A parte mais importante dessa estratégia era a antecipação. Uma vez em que as crianças nascessem e essa fosse uma informação pública, as novas mães eram bombardeadas por campanhas de diferentes lojas querendo atrair esse novo segmento consumidor.
A Target, dessa forma, quis sair na frente de toda a concorrência e agir mesmo antes dessa informação ser amplamente conhecida.
Foi por meio de uma dessas promoções que o pai de uma adolescente se chateou por achar que a empresa estava estimulando a sua filha a engravidar. Algumas semanas após o ocorrido, a jovem revelou à família que estava esperando um bebê.
Polêmicas à parte, a questão é que os resultados da Target cresceram muito depois da implementação desse tipo de análise. Agora, vamos verificar que mecanismos a empresa utilizou e o que ela fez com as informações em mãos.
Quais ferramentas foram utilizadas pela Target?
Se você notar o case exposto, vai perceber que a ferramenta inicial foi uma pesquisa simples que contou com a contribuição das clientes, ao responderem que estavam esperando um filho e informarem a provável data de nascimento. Essa primeira parte foi muito importante no processo, pois somente assim foi possível identificar os hábitos de consumo de mulheres grávidas mês a mês.
A outra questão foi contar com uma poderosa ferramenta de análise de dados, o que permitiu transformar todos esses dados estatísticos em informações. Aliado a isso, um dispositivo de automação de marketing permitiu que fossem enviados cupons promocionais às gestantes, incentivando-as a visitarem a loja.
A partir disso, o sistema se retroalimentou: por meio das informações iniciais, ele identificou, estatisticamente, quais clientes poderiam estar grávidas. Com a geração de cupons de desconto, ele fez as gestantes visitarem a loja. De acordo com o hábito de compra dessas clientes que foram até o estabelecimento, foi possível fazer ajustes finos nas informações estatísticas para que as campanhas fossem cada vez mais acertadas.
Guest ID
Porém, essa não foi a primeira iniciativa da Target nesse sentido. A empresa já mantinha desde antes um banco de dados extremamente detalhado sobre os seus consumidores. Internamente, cada cliente tem uma identificação numérica chamada Guest ID.
Nele, são registradas desde informações demográficas até todo o histórico relacionado a compras em estabelecimentos da Target: idade, estado civil, existência de filhos, local onde vive, quanto tempo leva para se deslocar até a loja, salário estimado, tipos de cartão de crédito que possui, sites que visita, se abriu os e-mails enviados pela empresa, quais cupons já usou, etc.
Especula-se que a rede de departamentos até mesmo possa comprar dados como etnia, histórico de trabalho, revistas que lê, se já foi divorciado, se já declarou falência alguma vez, o ano que comprou (ou perdeu) a casa própria, em que faculdade estudou, que tipos de assunto discute online, preferências de produtos como marcas de café, papel toalha ou cereal, inclinações políticas, hábitos de leitura, doações para caridade e mais uma infinidade de outras informações extremamente específicas.
A empresa se recusa a identificar quais dados ela coleta ou compra sobre os seus clientes, mas uma coisa é certa: a Target investe pesado em ter um panorama detalhado sobre não só os hábitos de consumo de quem compra em suas lojas mas quem eles são de uma maneira geral, investigando aspectos específicos de sua vida pessoal.
E que tipo de estratégia foi adotada?
A estratégia utilizada pela Target não é nova no mundo das vendas: bons vendedores conhecem seus clientes e sabem quais são seus principais hábitos. O que a empresa fez foi trabalhar isso estatisticamente, com um enorme fluxo de informações, visando descobrir uma situação específica.
E se essa técnica funcionou para descobrir a gravidez, ela também pode funcionar para outras áreas: empresas de móveis e decoração podem saber quem está prestes a fazer uma mudança de casa; fotógrafos podem descobrir quem está pensando em se casar; agências podem perceber quem está programando uma viagem; entre outras coisas.
Para essas situações, a questão básica é: os comportamentos comuns de consumo de um pequeno grupo podem ser ampliados a um conjunto maior, a fim de identificar quem está apto a comprar aquilo que você vende.
Qual a técnica de análise de dados utilizada?
A técnica utilizada pela Target foi o cruzamento de dados, de modo que, quanto mais as situações previamente estipuladas aconteciam, maior seria a chance de a cliente estar grávida. É por isso que esse tipo de análise necessita de um sistema robusto.
Para exemplificar: uma pessoa comprando fraldas pode estar esperando filho, mas também pode, simplesmente, estar prestes a ir a um chá de bebê. No entanto, uma pessoa que, além de comprar esse produto, troca sua loção habitual por uma sem fragrância e ainda procura por suplemento vitamínico, tem uma chance muito maior de estar grávida.
Como dissemos, não foram apenas esses fatores que influenciaram a estatística das gestantes que frequentavam a Target, e sim um compilado de aproximadamente 20 itens. Dessa forma, o cruzamento de todas essas informações permitiu a detecção certeira das futuras mamães.
A diferença entre Big e Small Data
O caso da Target é um exemplo clássico da importância do Big Data para as empresas atuais. Trata-se de uma montanha de dados oriundos de diferentes fontes e que precisam ser organizados e interpretados com o auxílio de programas e métodos matemáticos e estatísticos.
Dessa forma, esse montante indistinto de informações se configura como uma verdadeira mina de ouro que precisa ser “mineirada” para que se retire conclusões valiosas a partir disso. Assim, a interpretação é um componente fundamental desse processo: sem uma boa análise capaz de identificar padrões a partir do cruzamento e interpretação de dados, não é possível atribuir significado a eles, capaz de disparar ações estratégicas e iniciar campanhas capazes de obter bons resultados.
Nesse sentido, o verdadeiro poder desse tipo de estratégia não está na coleta de informações em si, mas o que se faz com elas. É por esse motivo que mesmo o processamento de uma quantidade menor de informações, como ocorre no Small Data, pode gerar uma infinidade de possibilidades se bem utilizado.
Diferentemente do Big Data, esses dados normalmente são mais fáceis de serem interpretados e convertidos em ações concretas em seu empreendimento.
Por isso, o segredo é aliar os dois métodos e aproveitar todas as oportunidades que aparecerem. Mas lembre-se: essas informações só serão úteis se forem analisadas e inseridas em um projeto maior de entendimento do comportamento do consumidor e quais ações podem ser tomadas a partir disso.
Como o contato foi realizado com o cliente?
Apesar de todas essas questões técnicas, o fator mais importante do case da Target não está na análise preditiva, mas sim no modo como proceder ao ter esse tipo de informação em mãos.
Ao detectar previamente as clientes que estavam grávidas, a empresa pôde se antecipar em relação aos seus concorrentes com campanhas especiais. Mais do que isso, os atendentes puderam se munir de informações e técnicas específicas para atender esse público que chegava às lojas.
Toda essa estratégia de comunicação e marketing foi fundamental para transformar a análise em resultado financeiro — do contrário, todo esse trabalho não teria validade alguma. Então, fica a lição de que o trabalho de análise de dados deve ser realizado em conjunto com outros setores da empresa, a fim de garantir que haverá a conversão esperada nas vendas.
Vale lembrar que o desenvolvimento dessa ação foi possível por meio do atendimento de qualidade que a loja já prestava anteriormente, pois foi necessário contar com a disponibilidade das grávidas em realizar o seu registro. Sem isso, toda essa análise estatística seria inviável pela falta de informações iniciais.
Como aplicar esses aprendizados no e-commerce?
Embora possa gerar uma série de insights positivos para a gestão de uma loja virtual, dificilmente o empreendimento terá acesso aos recursos utilizados pela Target para reproduzir uma estratégia similar. Mas isso não significa que não é possível se beneficiar da análise de dados de maneira correlata, porém em menor escala.
Independentemente do tamanho da empresa, é fundamental buscar maneiras de compreender seu público-alvo e empreender estratégicas cada vez mais personalizadas a partir do comportamento do consumidor. Para isso, é importante seguir os passos abaixo:
1. Crie um sistema de coleta de dados
Seja qual for a escala de análise de dados empregada, é preciso criar um sistema que colete e organize essas informações. No caso do Big Data, pode ser necessário um software que processe e interprete esses dados a partir de cálculos matemáticos.
Nesse sentido, é essencial estabelecer um processo de registro e análise dessas informações. Primeiro porque se elas não forem corretamente armazenadas, é possível que elas se percam com o tempo e não cumpram o propósito para qual foram coletadas. Além disso, se não for estabelecida uma periodicidade para processamento e investigação desses dados, dificilmente será possível convertê-los em estratégias efetivas para seu e-commerce.
2. Integre a gestão da sua loja virtual
Redes sociais, Google Analytics, CRM, etc. É possível reunir diferentes informações sobre o cliente a partir de uma infinidade de canais. Porém, se não houver uma integração eficiente entre eles, dificilmente será possível identificar padrões capazes de embasar ações específicas.
Lembre-se do sistema de Guest ID utilizado pela Target: embora obtenha informações sobre seus clientes a partir de diferentes fontes, todas são integradas em um único cadastro numérico que as reúne para análise posterior.
3. Defina um objetivo
Dados isolados não são capazes de converter em aumento de vendas e engajamento dos consumidores. É preciso haver um processo de análise e interpretação do seu significado e o emprego desse conhecimento para um objetivo específico.
Dessa forma, é essencial ter desde o princípio definido o que você deseja fazer a partir dessas informações.
A Target pretendia identificar quais hábitos de consumo são característicos de mulheres grávidas. Sem essa definição, a compra de colônias com fragrância suave e de suplementos vitamínicos não significariam nada: foi preciso um contexto e o desejo de um resultado final para que esses dados fizessem sentido.
Por isso, o mesmo deve ser feito no e-commerce. Seja qual for a forma de captação e análise ou o que estará disponível: estabeleça um objetivo específico e use essas informações de maneira inteligente, para que elas se convertam em ações estratégicas capazes de alavancar as vendas do seu negócio.
Assim, é possível usar esse caso da Target como inspiração sobre como a análise de dados sobre o comportamento do consumidor pode gerar uma infinidade de possibilidades e resultados surpreendentes.
*Artigo publicado originalmente em março de 2018 e atualizado em março de 2020.