Não tem como negar: o processo de compra e venda evoluiu muito de alguns anos para cá. Alinhada com diversas inovações tecnológicas, a internet tem influenciado profundamente a forma como buscamos, comparamos e adquirimos bens de consumo. Pivô de toda essa revolução, o e-commerce continua a inventar recursos para atrair mais clientes. E este artigo fala justamente de uma dessas novidades: a gamificação.
Você se lembra de como era ir para o shopping e passar horas e horas em busca de um produto específico, entrando e saindo de lojas? Só existiam duas possibilidades para o fim dessa jornada: felicidade pela missão cumprida ou desapontamento pelas mãos vazias. Pois esse sufoco acabou.
Quando as compras migraram para o digital, a procura passou a ser de site em site, em vez de loja em loja, o que já facilita bastante o processo. No entanto, o resultado continuou se traduzindo em sucesso ou insucesso, só que agora de uma maneira muito mais complexa. Quer entender melhor do que estamos falando? Então acompanhe!
O conceito de gamificação
Do inglês gamification, trata-se basicamente de um conjunto de técnicas que emprestam elementos de jogos para gerar interação e engajamento dos usuários. No e-commerce, esse processo de ludificação das compras tem como principais objetivos aumentar o número de vendas e alcançar a tão sonhada fidelização dos consumidores.
Para isso, ela se aproveita da essência competitiva do ser humano para criar situações que estimulem que os usuários executem ações específicas. Ao aplicar conceitos empregados nos jogos online é possível aumentar a interação com os clientes do seu e-commerce a partir de um contexto lúdico.
A razão por trás do sucesso dessa estratégia está na popularidade crescente dos videogames. Tendo suas primeiras versões concebidas ainda na pré-história, com jogos de dados feitos de ossos, hoje movimenta uma indústria bilionária que engaja milhões de pessoas ao redor do mundo. Confira alguns dados:
- Em 2017, a receita proveniente do mercado de jogos de computador equivalia a duas vezes o valor do setor de streaming de música, mesmo tendo cerca de apenas 2/3 do número de usuários (Nexo).
- De 2013 para 2018, o número de estúdios de desenvolvimento de games no Brasil mais do que dobrou, passando de 142 para 375. Já nos últimos dois anos foram produzidos mais de 1.700 jogos no país, sendo 43% mobile (2º Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais).
- Estima-se que a indústria dos games tenha movimentado $108,4 bilhões em 2017 em todo mundo (SuperData).
- Uma a cada três pessoas no mundo joga algum tipo de game em PC ou mobile (SuperData).
- Consumidores gastaram $14 bilhões a mais em jogos para dispositivos móveis em 2017 se comparado ao ano anterior (SuperData).
- Aproximadamente 9 a cada 10 lojistas do varejo planejam já ter implementado até 2020 a gamificação como forma de engajar seus clientes, sendo que 46% desses consideram a incorporação de programas de fidelidade à estratégia uma prioridade (Boston Retail Partners).
As partes básicas de um jogo
Para entender melhor como a gamificação funciona e por que ela é considerada uma tendência do comércio eletrônico, deve-se entender como funciona a mecânica por trás dos jogos.
Uma das características mais distintivas dessa atividade é o engajamento gerado pelos seus participantes. Em uma célebre palestra sobre o assunto no modelo Ted Talk, a designer de games Jane McGonigal explica alguns motivos que transformam essa experiência em algo tão envolvente e como esses princípios poderiam ser aplicados em outras situações. Entre os principais fatores apontados estão:
- desafios adaptados para o nível e realidade de cada jogador. Eles são concebidos de forma que sejam desafiadores mas sempre possíveis de serem resolvidos;
- contexto e missões significativas. As ações dos jogos estão inseridas em um cenário maior, conferindo motivações por trás dos desafios, normalmente relacionado a questões grandiosas;
- feedback constante de desempenho. Os usuários recebem a todo momento respostas sobre como estão se saindo, possibilitando a melhoria contínua e o aprendizado a partir das avaliações;
- epic win. O otimismo faz parte da maioria dos jogadores: eles sabem que não receberiam uma tarefa impossível de ser completada. Isso estimula que eles persistam no game até chegar ao chamado “epic win”, uma vitória surpreendente.
Esses são alguns dos componentes que tornam os jogos tão envolventes. Dessa forma, o objetivo da gamificação no e-commerce é reproduzir esse modelo para engajar os consumidores da mesma maneira.
Assim, deseja-se que eles se sintam tão envolvidos e comprometidos com a marca quanto a um videogame, convertendo-os em clientes fiéis que realizam compras recorrentes.
Para isso, é fundamental que a estratégia contenha os seguintes elementos essenciais:
Desafio
Dos jogos mais tradicionais aos eletrônicos, todos apresentam um obstáculo a ser superado em uma dada dificuldade. Essa é a base essencial para gerar a sensação de satisfação alcançada pelo triunfo.
Instrução
Um game precisa de regras claras, por meio das quais os jogadores aprendem a se comportar dentro daquele ambiente competitivo criado especialmente para eles. E não basta simplesmente saber o que deve ser feito: também é preciso entender como a missão pode ser realizada.
Recompensa
Muitas e muitas vezes, jogamos pelo simples prazer de vencer, não é mesmo? Entretanto, quando existe um incentivo a mais, a probabilidade de nos esforçarmos além do básico também aumenta. Justamente por isso, um bom jogo costuma ter mais de uma recompensa em caso de vitória — como pontos de melhoria ou reputação.
Esse é, portanto, um dos gatilhos que fazem com que as pessoas se sintam tão envolvidas pelos games. Além disso, outros dois também compõe a experiência:
Punição
Da mesma forma que os jogadores anseiam a vitória, eles temem a derrota. Dessa forma, o medo da punição estimula com que o usuário persista no desafio.
Moeda Social
Como parte de uma sociedade, muitas pessoas se importam com o que os outros pensam delas. Isso estimula o gatilho da moeda social: em busca de um status vencedor, os usuários buscam maneiras de se diferenciar positivamente.
Esse recurso é muito utilizado em programas de fidelidade, como os desenvolvidos pelas companhias aéreas. Além das vantagens oferecida pelo acúmulo de pontos, muitos consumidores buscam a diferenciação e exclusividade oferecida para os clientes mais fiéis.
Benefícios dessa estratégia para sua loja virtual
Agora que já apresentamos os elementos essenciais da mecânica dos jogos que devem estar presentes em sua estratégia de gamificação no e-commerce, confira alguns benefícios da aplicação dessa tática em seu empreendimento:
Crescimento das vendas
Os games são concebidos para ser uma atividade envolvente e viciante, que prende o espectador aos seus desafios. O mesmo pode ser reproduzido no comércio eletrônico. Ao envolver o consumidor na dinâmica do jogo, ele é estimulado a cumprir as próximas ações para alcançar o objetivo definido e receber a recompensa prometida.
Caso essa interação seja bem construída, a compra de novos itens pode ser introduzida naturalmente no processo, como etapas para se atingir a meta final. Assim, é possível impactar positivamente as vendas sem que o comprador se sinta obrigado a isso: uma vez envolvido, torna-se uma ação natural.
Aumento da satisfação dos consumidores
Com o uso de elementos lúdicos é possível transformar as compras em algo divertido. Ao invés de sentir que está fazendo algo maçante, o consumidor passa a encarar o processo de aquisição como uma jornada mais satisfatória.
Para que a gamificação possa impactar positivamente a experiência do usuário, é preciso que ele se esqueça que está em um ambiente comercial e que passe a encarar a loja virtual e a aquisição de novos produtos como uma atividade divertida. Assim, amplia-se a sensação de prazer do consumo, estendendo-a para a vivência como um todo do cliente com a loja virtual.
Fidelização dos clientes
Um dos objetivos da fidelização dos consumidores é que esses se tornem verdadeiros embaixadores da marca: não só fazem compras recorrentes como indicam os serviços e itens para seus amigos e familiares.
Ao romper com a abordagem tradicional de vendas, aumentam-se as chances de envolvimento do comprador com a loja. Ele deixa de encará-la como apenas uma fornecedora de mercadorias e passa a vê-la como uma plataforma de uma experiência positiva de compras que transcende a qualidade dos produtos e passa a envolver todo o processo de aquisição.
6 maneiras de aplicar a gamificação no e-commerce
Muitas empresas (com atuação no Brasil e no exterior) já fazem uso dessa prática em seus sites. Em maior ou menor escala e também com objetivos e estratégias diferentes, esses sites empregam diferentes elementos dos games para melhorar a experiência do usuário e alavancar seus negócios.
A importância dos objetivos
A forma como a transferência da lógica sistemática dos games (com desafios, instruções e recompensas) será feita para dentro do ambiente de vendas de um e-commerce dependerá, claro, do objetivo da empresa.
Nesse contexto, assim como toda ação de marketing, é necessário estabelecer metas específicas que possibilitem a mensuração estratégica dos resultados. Defina primeiro, portanto, o que você espera alcançar com essa metodologia.
Logicamente, a finalidade macro da gamificação será a expansão dos negócios e o aumento dos lucros, mas isso deve ser esmiuçado em objetivos menores e mais palpáveis — como dobrar a frequência de compras por clientes em X meses, aumentar as vendas no boleto até Y%, elevar a permanência dos usuários no site em Z minutos e assim por diante.
A definição da meta esperada por essa campanha, dessa forma, influencia no tipo de estratégia que será empregada.
Para ajudar você a aplicar essa tática na prática, confira exemplos de gamificação no e-commerce:
1. Emblemas de reputação
Essa tática é inspirada em diversos jogos online em que os usuários recebem emblemas e denominações de acordo com suas conquistas. Essa ideia de evolução é muito atraente e ajuda a manter os jogadores motivados a avançar. Existe também um apelo para a exclusividade e o status em um ambiente de interações sociais, como um game online.
No e-commerce, essa prática pode ser vista em diversas lojas. A Envato Market, por exemplo, é um marketplace para desenvolvedores web que permite a venda e a compra de temas, plugins, códigos e muito mais. Nessa plataforma, consumidores e empresas afiliadas recebem qualificações em seus perfis de acordo com o número de compras e vendas, o tempo de uso, o nível de inventividade, as conquistas comerciais e por aí vai.
A ideia por trás dos emblemas é criar um vínculo de confiança. Ao desenvolver uma iconografia classificatória, as empresas acabam por facilitar transações financeiras, que antes poderiam ser impedidas por puro receio.
2. Programas de fidelidade
Em muitos jogos (principalmente nos de RPG, sigla para Role-Playing Game), é bastante comum o conceito de pontos de experiência. Tais pontos servem como moeda de troca, com a qual os usuários podem adquirir novas habilidades, armas e aperfeiçoamentos dos mais diversos.
Podemos citar como exemplo dessa configuração no comércio eletrônico o Dotz. Clientes participantes do programa de fidelidade adquirem pontos ao comprar em negócios parceiros, que podem ser lojas físicas e também grande players do e-commerce nacional e mundial — como os marketplaces Lojas Americanas, Submarino e Amazon.
Depois de acumular Dotz (nome da moeda do programa), é possível realizar a troca por diversos itens, como passagens áreas, crédito para celular, ingressos para cinema muitos outros produtos. Nesse caso, as empresas parceiras ganham um diferencial na mente dos consumidores, enquanto o público recebe um incentivo a mais para comprar desses locais.
3. Promoções especiais
Uma boa competição precisa de certo esforço e paciência para ser vencida. Pensando nisso, o e-commerce Woot empregou um sistema promocional diferente: apenas um produto é ofertado por vez, sempre com quantidade limitada e com preço especial, tática que cria um senso de urgência e também desperta curiosidade nos usuários.
A lógica é mais simples do que pode parecer: uma vez que um produto diferente é colocado em oferta a cada novo dia, os consumidores se sentem praticamente obrigados a visitar o site com frequência para conseguir a mercadoria desejada por um bom preço.
4. Games em datas comemorativas
Datas especiais são excelentes oportunidades de engajar a audiência com minigames temáticos. Essa é uma prática recorrente do Google com seus doodles. Em celebrações específicas, as letras do logo da marca se transformam em um recurso interativo, sendo muitos deles jogos.
Embora esse tipo de ação demande investimentos com programação, é possível reproduzir estratégias similares utilizando menos recursos: quizzes que oferecem uma recompensa no final, acúmulo de pontos por ações específicas, como indicações de amigos, reviews sobre produtos, compartilhamento nas redes sociais, com um ranking dos consumidores mais engajados da marca e recompensas especiais, por exemplo, etc.
5. Caça ao tesouro
Esse é um modelo de jogo muito popular mesmo antes dos videogames: os participantes precisam encontrar pistas específicas para chegar ao prêmio final.
Uma maneira simples de se aplicar isso no e-commerce é por meio de uma campanha em que o consumidor encontra dicas na descrição de produtos específicos para chegar a uma recompensa, que pode ser descontos, brindes, frete grátis, etc.
Dessa forma, a vitrine virtual se torna um verdadeiro mapa do tesouro. Além de engajar os consumidores, essa estratégia estimula que ele visualize e conheça outros itens da marca, podendo atuar positivamente no número de conversões.
6. Sistemas de combos
Prática comum também nas lojas físicas, o sistema de combo encoraja os clientes a comprarem uma quantidade maior de uma mesma empresa.
Uma vez dentro do site, o usuário recebe possibilidades de combinações que resultam em descontos, o que também tende a gerar uma sensação de vitória no consumidor. Diversas corporações já usam essa prática, como as lojas eletrônicas Centauro e Netshoes.
Como você pôde ver, essa estratégia dispõe de muitos recursos e pode trazer diversos benefícios para o comércio eletrônico. Contudo, é preciso realizar um trabalho com planejamento e acompanhamento profissional, sem esquecer de mensurar os resultados e fazer adaptações quando necessário.
*Artigo publicado originalmente em janeiro de 2018 e atualizado em julho de 2018.